terça-feira, 19 de março de 2013

Existe a possibilidade de vida em outro lugar?

Compartilho a seguir um excelente texto do meu amigo Marcos Torres, brilhante Geógrafo, colega de curso da UFPR e também meu Professor.

Existe a possibilidade de vida em outro lugar?

Por Marcos Torres

A concepção de mundo surge a partir de nossas experiências. Primeiramente, no seio da família, aprendemos a ler e agir no – e com o – espaço. Tal experiência logo extrapola a família e ganha novos contornos com as pessoas da sociedade em que vivemos. Eis a criação do lugar.
O tempo que passamos no lugar é determinante para estabelecermo-nos no espaço, na vida. E quanto mais tempo passamos em um lugar, mais difícil é pensar a vida em outro.
E nós, que, do nosso mundinho, insistimos em julgar o mundo, tão mais vasto que o nosso canto...
Há, sim, a possibilidade de vida em outro lugar. Mas para isso, o ideal é que existam amigos. E para que eles venham a existir, no transcurso da vida devemos estar abertos a conhecer, ouvir e respeitar o outro.
Do centro geográfico do Brasil, próximo ao centro geodésico da América do Sul, percebo, aos poucos, que Tuan estava certo ao afirmar que cada pausa no espaço torna possível que localização se transforme em lugar. Barra do Garças é muito mais que o centro geográfico do Brasil, ou uma cidade onde a presença de Xavantes chama a atenção dos que passam pelo seu centro. É mais do que uma área urbana cercada de belos morros e cachoeiras, e vai além de ser um município com uma exuberante vegetação de cerrado, capaz de presentear seus moradores com revoadas de araras e outros lindos pássaros.
Barra do Garças é um lugar, onde a impessoalidade das grandes cidades ainda não chegou. Onde você vai a padaria tomar café da manhã e a atendente oferece um pedaço do bolo que ela vai comer (– “Num custa nada, moço. Podi comê. É di graça!” – diz com a ingenuidade e despretensão de quem vive no interior, e com o belo sotaque goiano-amineirado que o povo da fronteira do Mato Grosso com Goiás tem). Onde as crianças ainda brincam nas ruas, e onde os carros param antes da faixa para os pedestres atravessarem.
É o melhor lugar do mundo? Claro que não. Mas é um lugar. E isso é impossível de pensar apenas olhando um mapa, ou tentando abstrair as fotos que o Google – ou qualquer outro canal de disponibilização de imagens – possa oferecer.

Reprodução autorizada via Facebook. Obrigado Marcos!

Abaixo, som de uma banda matogrossense
Vanguart – A Patinha da Garça



sexta-feira, 15 de março de 2013

Soviéticos no Afeganistão


Khala Rangmaal e os moalim sahib

Por Khaled Hosseini

Cabul, primavera de 1987 no hemisfério norte. Foi difícil para Laila prestar atenção à aula naquele dia. Assim, quando a professora a chamou para dizer quais eram as capitais da Romênia e de Cuba, Laila foi apanhada de surpresa. Os alunos chamavam a professora de Khala Rangmaal, Tia Pintora, pois quando esbofeteava um aluno fazia pose como um pintor usando um pincel.
A professora não usava maquiagem nem jóias. Não cobria a cabeça e não permitia que as alunas fizessem isso, já que para ela homens e mulheres são iguais sob todos os aspectos.
Khala Rangmaal dizia que a União Soviética era a melhor nação do mundo, juntamente com o Afeganistão. Na União Soviética, todos eram felizes, e isso aconteceria também no Afeganistão assim que os bandidos reacionários fossem derrotados.
Na parede, por trás da mesa de Khala Rangmaal havia um mapa da União Soviética, outro do Afeganistão e um retrato do último presidente comunista, Najibullah. Havia retratos de soldados soviéticos cumprimentando camponeses, plantando mudas de macieiras, construindo casas, sempre com um sorriso entusiasmado.
Ninguém ousaria mencionar na presença de Khala Rangmaal os boatos cada vez mais frequentes de que os soviéticos estavam perdendo a guerra, principalmente quando Reagan, o presidente dos EUA, tinha começado a armar os mujahedins com mísseis Stringer, para derrubar helicópteros soviéticos. Nem diriam que muçulmanos de todos os pontos estavam se aliando à causa afegã, inclusive ricos sauditas que vinham para o Afeganistão combater naquele jihad.
Laila, afinal disse: “Bucareste, Havana”. Khala Rangmaal perguntou: “E estes países são amigos ou não?”. Laila respondeu: “São, sim, moalim sahib. São países amigos”. Khala Rangmaal assentiu com um leve gesto de cabeça.

Adaptação do trecho do capítulo 16 de “A cidade do Sol” de K. Hosseini p. 102-4.

Mais sobre o livro A cidade do Sol em:

Aerosmith - Kings and Queens

quinta-feira, 7 de março de 2013

Vestindo calça jeans, bebendo Coca-Cola, escutando rap



Vestindo calça jeans, bebendo Coca-Cola, escutando rap

Por Samuel P. Huntington


Uma argumentação equivocada feita hoje em dia é a de que a disseminação da cultura pop e dos bens de consumo ao redor do mundo representa o triunfo da civilização ocidental. Em algum ponto do Oriente Médio, uma meia dúzia de rapazes bem poderia estar vestindo calça jeans, bebendo Coca-Cola, escutando rap e, entre suas reverência na direção de Meca, estar montando uma bomba para explodir um avião comercial americano (este texto foi escrito cinco anos antes do 11 de setembro de 2001, ou seja, quase profético, quase, pois Huntington não imaginava que a bomba seriam os próprios aviões).
Somente a arrogância ingênua pode levar os ocidentais a pressupor que os não-ocidentais ficaram “ocidentalizados” por adquirirem artigos ocidentais. O que explicaria, portanto, o sucesso das produções de Hollywood? Quase 90 por cento dos filmes mais vistos no mundo são americanos. Isso é reflexo da universalidade do interesse humano por amor, sexo, violência, mistério, heroísmo e riqueza. Entretanto, há pouca ou nenhuma prova que apóie o pressuposto de que o surgimento das comunicações de escala global produza uma convergência de atitudes e crenças.
As comunicações são importantes manifestações do poderio Ocidental. Contudo, a hegemonia ocidental estimula políticos populistas em sociedades não-ocidentais a condenar o imperialismo cultural e convocar o povo a preservar a integridade da cultura local.


Trecho adaptado de O choque de civilizações – Samuel P. Huntington – Objetiva – p. 68-9


Leia neste blog: Norte-americano, americano ou estadunidense? http://geopesca.blogspot.com.br/2012/02/norte-americano-estadunidense-ou.html

Bill Medley - "He ain't heavy he's my brother"



segunda-feira, 4 de março de 2013

A ascensão do Ocidente e a violência organizada


A ascensão do Ocidente e a violência organizada


Por Samuel P. Huntington


Como Geoffrey Parker assinalou, “numa larga media 'a ascensão do Ocidente' dependeu do uso da força, do fato de que o equilíbrio militar entre os europeus e seus adversários no ultramar estava se inclinando de forma constante em favor dos europeus; a chave para o sucesso dos ocidentais para criarem entre os séculos XVI e XVIII, os primeiros impérios realmente globais dependeu dos avanços na capacidade de empreender a guerra”.
A expansão do Ocidente também foi facilitada pela superioridade de suas tropas em organização, disciplina e treinamento e, posteriormente, por armas, meios de transporte, logística e serviços médicos superiores como consequência de sua liderança na chamada Revolução Industrial.
O Ocidente conquistou o mundo não pela superioridade de suas ideias, valores ou religião, mas sim por sua superioridade em aplicar a violência organizada. Os ocidentais frequentemente se esquecem disso, mas os não-ocidentais jamas esquecerão.


Trecho adaptado de O choque de civilizações – Samuel P. Huntington – Objetiva – p. 58-9


Mais sobre geopolítica, poder e religião em outro post deste blog: http://geopesca.blogspot.com.br/2012/03/geopolitica-poder-e-religiao.html

Civil War - Guns n' Roses