Sob o pretexto da defesa de seus cidadãos, o governo americano acaba afrontando, também fora do país, valores caros à democracia que ajuda a difundir.
Vem de uma das democracias mais evoluídas do mundo, os
Estados Unidos, um novo e desafiador debate sobre o direito do governo de
monitorar a vida de cidadãos em nome da segurança nacional. As recentes
denúncias da imprensa sobre o esquema de espionagem mantido pelo governo
norte-americano, desde os ataques de 11 de setembro de 2001, põem em risco os
compromissos e a credibilidade do presidente Barack Obama. Para além das
fronteiras americanas, a violação de informações sobre telefonemas e conteúdos
das redes sociais provoca insegurança também em outras nações, muitas das quais
com democracias inspiradas em condutas americanas. A grande interrogação que a
controvérsia provoca é perturbadora: se os Estados Unidos tudo podem, em nome
da defesa interna, como condenar práticas semelhantes de regimes ditatoriais e
mesmo de democracias?
O que está em debate é a zona de sombra que ainda confunde
quem procura os limites da intervenção estatal na privacidade de pessoas
comuns. Desde 2001, essa confusão vem sendo ampliada, com as ações autorizadas
pelo chamado Código Patriótico, acionado logo após os traumas do 11 de setembro
em Nova York. Ontem ,
o presidente Obama assegurou que a vigilância exercida pelos órgãos de
inteligência, condenada inclusive por aliados, tem sido decisiva para o
monitoramento do terrorismo. O que inquieta a todos é o conflito, admitido pelo
governo, entre o respeito à Constituição e, ao mesmo tempo, a adoção de
iniciativas que podem ser duvidosas, sob o ponto de vista legal e moral, de
proteção aos cidadãos.
O governo optou pela proteção, com o pretexto, citado por
Obama, de que não há como ter 100% de segurança com 100% de privacidade, sem
nenhum inconveniente. Seria ingenuidade demais imaginar-se que a maior potência
mundial, sob constante ameaça externa, poderia abrir mão de mecanismos de
defesa que incluem o monitoramento da circulação de informações. O dilema
diante do presidente é bem mais complexo, porque diz respeito ao alcance de uma
espionagem que não se limita a vigiar suspeitos e acaba por atingir
indiscriminadamente todos os americanos.
O presidente assumiu, desde o primeiro mandato, o
compromisso com uma transparência que, sabe-se agora, a Casa Branca defende
apenas como retórica. A preservação dos interesses internos, que sustenta as
espionagens, acaba por afetar bem mais do que a vida dos cidadãos dos EUA. O
mundo, sob vigilância na internet, também se sente violado por atitudes que
afrontam valores tão caros à democracia que os EUA defendem e ajudam a difundir.
Editorial publicado no site www.zerohora.com.br na data de 08/06/2013, na guia Opinião. Acesso em 10/06/2013
Born in the USA - Bruce Springsteen
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